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Covid-19 se alastra pelas Terras Indígenas do Rio Negro

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Dispararam os registros entre povos da região, como os Baniwa, Tukano e Baré; "precisamos de ajuda humanitária para evitar uma tragédia", alertou Marivelton Barroso, presidente da Foirn
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São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do Brasil, vive dias dramáticos. Com uma população de 45 mil habitantes, a cidade experimenta um crescimento acelerado de casos de Covid-19, apesar do bloqueio de trânsito decretado em março. Nesta sexta-feira (15/05) foram notificados 265 casos, com 12 óbitos e 14 pessoas internadas no único hospital local. Porém, o Hospital de Guarnição (HGU), gerido pelo exército brasileiro, não possui Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).



Segundo o secretário de Saúde do município, Fábio Sampaio, todos os pacientes entubados estão inscritos no Sistema de Transferências de Emergências Reguladas (Sister), da Secretaria de Estado de Saúde (Susam) e aguardam um leito de tratamento intensivo na capital, Manaus, distante mil quilômetros de São Gabriel.

Manaus, por sua vez, protagoniza cenas de colapso na saúde e tem dificuldade em absorver pacientes graves do interior. Com a doença penetrando as aldeias, as lideranças indígenas do Rio Negro cobram medidas urgentes para o atendimento da população. “O hospital está esgotado e não temos recursos para atendimento de pacientes mais graves nos polos de saúde indígena. A situação com certeza vai piorar na segunda quinzena de maio e precisamos de ajuda humanitária neste momento para evitar uma imensa tragédia”, alertou Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).

Em apenas 19 dias, os casos da Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira tiveram uma alta de 13.150%. No dia 26 de abril foram confirmados os dois primeiros casos, sendo que na sexta-feira as confirmações já chegavam a 265. São Gabriel é no momento o 11º município do interior do Amazonas com maior número de casos, ficando atrás de Manacapuru (1.357); Tefé (663); Parintins (580); Coari (502); Tabatinga (472); Santo Antônio do Içá (365); Itacoatiara (337); Careiro (309); Iranduba (302) e Rio Preto da Eva (299).

Usina quebrada

O único hospital da cidade também está com a sua usina de oxigênio quebrada e incapaz de reabastecer os cilindros usados pelos pacientes que respiram com auxílio mecânico. Com isso, os cilindros precisam ser reabastecidos em Manaus, exigindo grandes esforços logísticos, além dos riscos dessa operação.

No último sábado (09/05), por pouco seis pacientes entubados no HGU não ficaram sem oxigênio. O Comitê de Enfrentamento e Combate ao Covid-19 do município montou uma grande articulação e correu contra o tempo para salvar os pacientes. De última hora os cilindros chegaram de Manaus via Força Aérea Brasileira (FAB).

Além disso, pacientes que precisam de atendimento para outras doenças graves correm sério risco de se contaminar no hospital ou então estão deixando de se tratar com medo da infecção. O HGU também é o único local que faz partos no município, aumentando ainda mais o alerta de contaminação de gestantes e recém-nascidos.

“Continuo afirmando que é urgente uma unidade alternativa para as pessoas que adoecem de outras patologias, uma Unidade Mista, um Centro de Saúde, uma UPA, qualquer outra unidade para dar suporte e atender as pessoas que adoecem, que precisam de uma consulta de rotina, para as gestantes parirem, um lugar com segurança e sem estar contaminado com esse vírus”, explicou o gestor em saúde coletiva da Secretaria Municipal de Saúde de São Gabriel, Angelo Quintanilha.

A malária também é outro ponto de tensão. Em 2019, São Gabriel foi o município com a maior incidência de casos no Amazonas, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do estado, e as ocorrências continuam em alta esse ano. Alguns moradores relatam dificuldades para fazer testes de malária, com peregrinações pela cidade para conseguir atendimento, aumentando a exposição e risco à contaminação.

Também há relatos de profissionais de saúde, sobretudo enfermeiros que atendem nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município, trabalhando com sintomas de Covid-19 ou já afastados por estarem infectados. A falta de recursos humanos é outra grande preocupação e exige esforços urgentes para se levar profissionais de saúde para atuarem no município.

Catástrofe

“Se não temos uma unidade hospitalar preparada para atender sequer a população urbana de São Gabriel com Covid-19, se começarem a descer pessoas das comunidades doentes, será uma catástrofe. Digo isso sem exageros”, ressaltou Quintanilha.

Essa catástrofe anunciada começou a se desenhar com o surgimento de casos positivos nas aldeias das calhas dos rios Tiquié, Uaupés, Xié, Içana e no próprio Rio Negro. Também foram registrados casos no Balaio, na BR-307, na comunidade de Boa Esperança, e também na comunidade Lago das Pedras, no município de Barcelos.

Além disso, com a ausência de testes e carência no atendimento, as informações que circulam pelas redes de radiofonia e grupos de Whatsapp indicam que muito mais gente possa estar doente. Óbitos recentes por paradas cardiorrespiratórias que não tiveram confirmação de Covid-19 por exame também apontam subnotificação de mortes de indígenas nas aldeias e na área urbana, como o caso da morte do artista indígena Feliciano Lana, do povo Desana, na última terça-feira (12/05), que não consta nos registros oficiais.

Aliança interinstitucional

O Instituto Socioambiental (ISA), junto com a Foirn, integra o Comitê de Enfrentamento ao Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira – criado por decreto municipal - e vem fazendo uma série de articulações para buscar melhorias para a saúde na região, assim como para garantir soberania alimentar durante o isolamento social e direito à informação. A Federação indígena está recebendo doações diretamente através da campanha Rio Negro, Nós Cuidamos, assim como articulando uma série de parcerias para incrementar a estrutura da saúde indígena. Funai, Exército, Marinha, IFAM, Polícias Militar e Civil, Prefeitura e outras instituições também integram o Comitê.



Os Expedicionários da Saúde (EDS), que já atuam no rio Negro em campanhas de saúde junto à população indígena, receberam doações mobilizadas pela parceria ISA-Foirn para a compra de 30 concentradores de oxigênio e 14 cilindros de 50 litros carregados de oxigênio, com fluxômetros (equipamento para medir o fluxo de oxigênio nos cilindros), além de 15 geradores de energia. O material foi doado ao DSEI-ARN (Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena do Alto Rio Negro) e chegará amanhã (17/05) a São Gabriel em voo do Greenpeace, também parceiro nas ações de combate ao Covid-19 junto aos povos indígenas na Amazônia.

O EDS já havia doado medicamentos e equipamentos de segurança individual (EPIs) aos profissionais da saúde indígena da região, que foram transportados pela FAB. No site do EDS é possível fazer doações diretas e conhecer mais sobre suas ações e parceiros.

O trabalho interinstitucional tem ajudado a mobilizar recursos, parcerias e apoios aos povos indígenas do Rio Negro, muito vulneráveis à pandemia dada a falta de infraestrutura de saúde da região fronteiriça e longa distância da capital Manaus, única cidade com leitos de UTI em todo Amazonas. Quem tiver interesse em acompanhar os boletins diários com as notícias do Comitê de Enfrentamento e Combate ao Covid-19 de São Gabriel da Cachoeira, produzido pelo ISA e distribuído pelo whatsapp para levar informação à população, basta enviar mensagem para o número (DDD 31) 99806-2958.

Lockdown

Dia 8 de maio, quando o município registrava 54 casos e quatro óbitos, o comitê decidiu recomendar à Prefeitura emitir o decreto de “lockdown”, prevendo medidas mais severas de restrição à circulação. Além disso, é obrigatório o uso de máscara e está valendo também o toque de recolher na sede municipal.

As pessoas só podem circular das 6h. às 15h., e somente para algumas atividades, como ir ao comércio essencial (farmácia e mercados), banco e lotéricas. A circulação das pessoas nas vias públicas fora desse horário foi proibida. Aglomerações e eventos sociais estão sendo severamente fiscalizados pela polícia. Também está interrompido por decreto municipal o fluxo entre aldeias e núcleo urbano.

Juliana Radler
ISA
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