Você está na versão anterior do website do ISA

Atenção

Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.

Projeto que ameaça Parque do Iguaçu e Unidades de Conservação de todo país pode ser votado na Câmara

Proposta coloca em risco segundo parque mais visitado do país, Patrimônio Natural da Humanidade, e áreas protegidas de uso sustentável
Versão para impressão

O governo Bolsonaro, Centrão e ruralistas aprovaram, no plenário da Câmara, na noite desta quarta (9), o regime de urgência de um projeto que pretende cortar ao meio a última grande reserva da Mata Atlântica do interior e do Sul do país, o Parque Nacional do Iguaçu, no oeste do Paraná.

O Projeto de Lei 984/2019, do deputado Vermelho (PSD-PR), prevê reabrir uma rodovia através do trecho mais ecologicamente sensível da área, habitada por espécies ameaçadas de extinção, como a onça-pintada.

Com a urgência, a proposta vai para o início da fila de prioridades do plenário, junto com as Medidas Provisórias e outros projetos sob o mesmo regime. Logo depois da votação de hoje, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu incluir o PL 984 na pauta da sessão desta quinta (10), marcada para começar às 10h.

De acordo com pesquisadores e ambientalistas, a reabertura da via abre caminho para o roubo de madeira, desmatamento, queimadas, a caça e o atropelamento de animais selvagens.

Em relatório de 2012, a Polícia Federal informou que a estrada, quando aberta, também servia de rota para o tráfico de drogas e o contrabando, aumentando a insegurança na região transfronteiriça. O mesmo documento aponta que as forças de segurança não teriam como fiscalizar a rota.

A estrada denominada “Caminho do Colono” foi fechada definitivamente, em 2001, por decisão judicial, justamente pelo reconhecimento de que era um vetor desses crimes. De lá para cá, foi recoberta pela floresta.

Mas o projeto não coloca em risco apenas o Parque do Iguaçu. Ele também altera o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, Lei nº 9.985/2000), para criar uma nova categoria chamada "Estrada-Parque". Isso abre o precedente para a construção de vias em outras Unidades de Conservação (UCs) de uso sustentável (que permitem visitação ou o uso controlado dos recursos naturais). Nesse caso, seria necessário recategorizar a área, o que também abre brechas para a diminuição de seu grau de proteção ou até sua redução. Além disso, a implantação de rodovias é reconhecida por cientistas como um dos principais fatores de estímulo à destruição da vegetação nativa, em especial na Amazônia.

O governo Bolsonaro já anunciou que estuda a revisão das UCs sob gestão federal. Hoje, elas são 336. O discurso antiambiental do presidente também tem estimulado, desde a campanha eleitoral, o recrudescimento de posições e medidas contrárias às áreas protegidas da parte de governos e políticos locais. Recentemente, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou a redução drástica de duas UCs estaduais.

Precedente

“Essa demanda atende a interesses muito específicos, em detrimento do interesse geral, inclusive de todo o estado do Paraná. Estamos falando de um potencial de geração de renda, de toda a cadeia do turismo, inclusive de outros países, como a Argentina, que será afetado”, alertou o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

“Nós estamos abrindo um precedente para, em outros parques, ficarmos construindo estradas. E a consequência de você construir estradas dentro de parques é acabar, inclusive, com a razão da existência dessas unidades de conservação”, criticou.

O Parque do Iguaçu é considerado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, e detentor de uma das Sete Maravilhas da Natureza, as Cataratas do Iguaçu. A própria organização internacional já ameaçou retirar o título da área, caso a estrada fosse reaberta. Por isso, a aprovação do PL 984 poderá prejudicar a imagem internacional do país.

“Reabrir essa estrada, num parque que tem uma das sete maravilhas do mundo, é uma aberração”, criticou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP). “Estamos falando de um parque concessionado, que gera lucros para uma região inteira. Não faz sentido, na Semana do Meio Ambiente, o Congresso aprovar uma lei autorizativa, reabrindo essa estrada”, argumentou.

"Qual é a urgência de um projeto que inviabiliza ambiental e economicamente a região do entorno e o Parque Nacional do Iguaçu? Vamos trocar um Patrimônio Nacional da Humanidade por desmatamento, caça, ocupação ilegal?”, questiona Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA. “Além disso, trata-se de um perigoso precedente contra as UCs, pois projetos destrutivos similares poderão ser propostos em todo o País", completa.

O deputado Vermelho defende que a abertura da estrada vai encurtar o caminho e trazer o desenvolvimento turístico entre municípios da região, como Serranópolis do Iguaçu e Capanema. Ele garante que a estrada terá corredores para passagens de animais e proteção lateral, que impediria o contato de pessoas com a mata. “Temos uma estrada que será construída com toda a responsabilidade”, justifica.

"Se não conseguirmos construir uma estrada com todos os cuidados ecológicos, temos de devolver o Brasil para os índios", afirmou o parlamentar. Ele assegurou que a nova rodovia será policiada por forças municipais, estaduais e federais. De acordo com o deputado, a maioria da população da região seria favorável a reabertura da via.

Parque Nacional do Iguaçu

Em 2019, o Parque Nacional do Iguaçu recebeu cerca de 2 milhões de visitantes, a maioria estrangeiros. Foi o segundo mais visitado do país, ficando atrás apenas do Parque Nacional da Tijuca (RJ), onde está o Cristo Redentor.

A área tem 185 mil hectares e está na fronteira com a Argentina. Estima-se que abrigue mais de 250 espécies de árvores, 550 de aves, 120 de mamíferos, 79 de répteis e 55 de anfíbios. Trata-se do último grande remanescente de Floresta Atlântica de interior no Brasil, abrigando árvores como perobas e canelas, praticamente extintas na natureza. Para a fauna, é o último refúgio da onça-pintada no Sul do país. A espécie está criticamente ameaçada de extinção na Mata Atlântica e tem no Iguaçu um ambiente protegido, o que permitiu seu crescimento populacional nos últimos anos, algo inédito no bioma.

A proposta de criação do parque, no fim do século XIX, foi feita por André Rebouças e defendida por Santos Dumont, com a intenção de proteger as Cataratas do Iguaçu. A primeira norma de proteção da área foi publicada pelo governo estadual, em 1916. O decreto federal veio em 1939. Assim, tornou-se a segunda UC federal do país, depois do Parque Nacional de Itatiaia (RJ), oficializado em 1937.

Aprovado em 2020, o novo Plano de Uso Público prevê a abertura de três novos polos de visitação, levando atividades de turismo para todos os 14 municípios lindeiros à UC. Esses polos preveem atividades de baixo impacto, ao mesmo tempo em que possibilitariam uma maior imersão do turista na natureza.

Recentemente, a notícia do novo edital de concessão chamou atenção pelo valor agregado: estima-se que, com as novas atividades, a geração de renda passe dos atuais R$ 1 bilhão para mais de R$ 3 bilhões anuais. Em média, por ano, o Parque Nacional do Iguaçu gera cerca de R$ 25 milhões de ICMS Ecológico para os municípios do entorno. Exemplo disso é o município de Serranópolis do Iguaçu, que recebe, anualmente, R$ 3 milhões de ICMS Ecológico.

ISA
Imagens: 

Comentários

O Instituto Socioambiental (ISA) estimula o debate e a troca de ideias. Os comentários aqui publicados são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião desta instituição. Mensagens consideradas ofensivas serão retiradas.